Entrevista com a psicóloga JOANA DE VILHENA NOVAES, concedida à reporter MELINA DE CARVALHO.
"Criadora do núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio, que trata de cerca de 1.200 pacientes por ano com anorexia, bulimia e vigorexia, Joana é autora dos livros "O INTOLERÁVEL PESO DA FEIÚRA" (2006, Editora PUC/Garamond) e "COM QUE CORPO EU VOU?" (2010, Editora PUC/Pallas), onde aorda temas como a ditadura da saúde e o "eu-obeso".
Quais são as palavras de ordem da beleza contemporânea?
Quais são as palavras de ordem da beleza contemporânea?
R.: Disciplina, juventude, magreza, vitalidade, obstinação e flexibilidade, não apenas do mas para encaixar todas estas aividades e tratamentos na rotina. Este discurso em última análise, afirma que o mérito e o reconhecimento social pelos esforços só dependem de você e se devem ao árduo trabalho e à dedicação a si mesmo.
Trata-se de um grande gerador de culpa e ansiedade, porque é uma mentalidade absolutamente calvinista, na qual a pedra fundmental é "o trabalho dignifica o homem". Numa linha bem americana, "no pain, no gain" ( sem dor, sem ganho). O sujeito sabe o que deve fazer para ficar em forma, é questão de meritocracia. Mas quando se trata de corpo, o jeitinho brasileiro, traço cltural do país, não tem espaço. A pessoa se sente culpada porque sabe que será excluída por estar acima do peso. Isso provoca insatisfação, já que pensa: "eu poderia não ter comido aquela torta de chocolate". Os esforços, porém, nunca serão suficientes.
Parece que estamos diante da ditadura da saúde, que se expande do plano social para o ambiente de trabalho. É mais uma consequência da moralização da beleza?
R.: Esse conceito de moralização da beleza inclui todos os atributos morais e depreciativos que existem no i´maginário social e criminalizam a gordura. Se alguém está acma do peso, significa que ele é preguiçoso e não é disciplinado. É um modo de viver, no qual quem não compartilha as regras do jogo é excluído, em todos os ambientes.
O sujeito que não se exercita e não come de forma disciplinada será olhado com repreensão. O gordo é visto com o grande transgressor, ou seja, aquele que não compactua; assim como a anoréxica, que é aquela que conseguiu levar ao status máximo a privação total e absoluta. Mas veja a curiosidade: embora estas duas patologias, obesidade e anorexia, tratem de compulsão, aquele que não consegue parar de comer é visto com preguiçoso e aquele que não consegue comer é olhada com muita pena, como uma vítima.
Trata-se de um grande gerador de culpa e ansiedade, porque é uma mentalidade absolutamente calvinista, na qual a pedra fundmental é "o trabalho dignifica o homem". Numa linha bem americana, "no pain, no gain" ( sem dor, sem ganho). O sujeito sabe o que deve fazer para ficar em forma, é questão de meritocracia. Mas quando se trata de corpo, o jeitinho brasileiro, traço cltural do país, não tem espaço. A pessoa se sente culpada porque sabe que será excluída por estar acima do peso. Isso provoca insatisfação, já que pensa: "eu poderia não ter comido aquela torta de chocolate". Os esforços, porém, nunca serão suficientes.
Parece que estamos diante da ditadura da saúde, que se expande do plano social para o ambiente de trabalho. É mais uma consequência da moralização da beleza?
R.: Esse conceito de moralização da beleza inclui todos os atributos morais e depreciativos que existem no i´maginário social e criminalizam a gordura. Se alguém está acma do peso, significa que ele é preguiçoso e não é disciplinado. É um modo de viver, no qual quem não compartilha as regras do jogo é excluído, em todos os ambientes.
O sujeito que não se exercita e não come de forma disciplinada será olhado com repreensão. O gordo é visto com o grande transgressor, ou seja, aquele que não compactua; assim como a anoréxica, que é aquela que conseguiu levar ao status máximo a privação total e absoluta. Mas veja a curiosidade: embora estas duas patologias, obesidade e anorexia, tratem de compulsão, aquele que não consegue parar de comer é visto com preguiçoso e aquele que não consegue comer é olhada com muita pena, como uma vítima.
Está dizendo que numa sociedade pautada pela ditadura da beleza é melhor ser anoréxico que obeso?
R.: Não tenho a menor dúvida. Um dos indícios é que demora muito até uma anoréxica ser diagnosticada. Quando a família procura atendimento, já está em estágio avançado da doença e há poucas possibilidades de intervenção. Isto ocorre porque até então esta paciente foi reforçada e recebeu incentivos para emagrecer ao passo que, na obesidade, os parâmetros são cada vez mais justos. Hoje, a pessoa não precisa estar muito acima do peso para ser considerada gorda.
A perversidade do discurso atual é afirmar que o corpo perfeito está ao alcance de todos, o que não é verdade. Afinal, tempo passou a ser luxo, e a pessoa só vai ter este corpo próximo do ideal se tiver disponibilidade de tempo e disciplina para se cuidar. E isso inclui uma variável que é financeira: é preciso ter dinheiro para se enfurnar num spa e numa academia de ginástica.
Observa-se que o corpo e a aparência podem trazer, além de visibilidade, possibilidade de ascensão social, ou seja, de conseguir um emprego ou de ser considerado um funcionário eficiente. Esta cultura abarca do alto executivo ao office boy. A questão da obesidade é mesmo um tema de saúde pública e hoje em dia, nos grandes centros, é difícil que alguém não tenha conheciemento do que é preciso fazer para ser saudável. Se as camadas mais populares não podem comprar produtos light porque são mais caros, elas sabem que podem comprar legumes e verduras no sacolão. É um conhecimento qu perpassa todas as classes. Entretanto, nas comunidades mais pobres, há uma preocupação em ficar com o corpo durinho e torneado, mas não há tanta exigência de magreza. Existe um contrates da estética da carne e das curvas intimamente ligadas à sexualidade do corpo como objeto de desejo, ao passo que a magreza excessiva ainda está associada à miséria e à fome.
No campo psíquico, qual é a doença deste século?
R.: São as patologias narcísicas, o chamado 'eu-obeso'. Hoje há uma falência de uma série de isntituições, na qual o grande projeto contemporâneo é o "eu": o "meu" corpo no palco social. Logo, o "meu" investimento psicológico, emocional e libidinal "sou eu", inclusive no que se refere a tempo e dinheiro. Esse termo jocoso do "eu-obeso" representa alguém sempre insatisfeiro, angustiado e que se sente aquém das suas reais possibilidades. E, neste ponto, o marketing e a publicidade tentam convencê-lo de que "você pode mais, basta querer". Mas não é bem assim.
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